Apesar do envelhecimento da população brasileira, o poder
público não investe na criação de programas específicos e nem a
sociedade os cobra
Publicado em 08/09/2012, 14:45
Última atualização em 09/09/2012, 10:47
Atenção à população idosa é rsponsabilidade da família, do estado e da sociedade, diz estatuto (Foto: ABr/Arquivo)
São Paulo – Se não forem criadas políticas públicas para o cuidado do
idoso nos próximos 20, 30 anos, poderá haver uma crise no país. E o
envelhecimento, em vez de uma conquista, resultado de inúmeros esforços
para aumentar a longevidade, poderá ser visto como um problema social. O
alerta é da assistente social Marília Viana Berzins, especialista em
gerontologia e coordenadora de cursos de formação de cuidadores de
idosos do Observatório da Longevidade (Olhe), de São Paulo. A entidade
atua na pesquisa, sistematização de conhecimento e formação de gestores,
prestadores de serviços e familiares sobre o processo de
envelhecimento.
Entende-se por envelhecimento o aumento da proporção de pessoas acima
de 60 anos em relação à de jovens no contingente populacional, bem como
o aumento da expectativa de vida. Em 1980, a esperança de vida do
brasileiro ao nascer era de, em média, 62 anos. Atualmente, é de pouco
mais de 73. Em 2030, estará próxima de 80 anos.
O Estatuto do Idoso, de 2003, determina que a atenção à população
idosa é responsabilidade da família, do estado e da sociedade. “A
família cuida como pode e o estado tem de se responsabilizar pela
questão da velhice em toda a sua plenitude, inclusive no cuidar. Já a
sociedade deve se organizar para exigir e fiscalizar”, diz Marília.
No entanto, segundo ela, falta a retaguarda do estado na oferta de
políticas públicas para o cuidado com o idoso. "Esse problema agravado
pela incapacidade da maioria das famílias de cuidar dos mais velhos. E
isso não ocorre só porque as mulheres passaram a trabalhar fora, como
muitos preferem acreditar. Na verdade, não há mais um modelo único de
família, não se tem mais cinco, seis filhos, como se tinha em gerações
anteriores.” Atualmente, segundo o IBGE, o número de filhos é de 1,9 por
família. “O Brasil já tem um contingente de idosos e a gente não sabe
quem cuidará deles”, alerta.
A omissão do estado no cuidado do idoso de outros grupos de pessoas
dependentes, aliás, foi apontada numa pesquisa divulgada em agosto pela
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), órgão das
Nações Unidas, que ouviu mais de 500 líderes de diversos setores em
vários países latinoamericanos. De cada dez entrevistados, nove afirmam
que a responsabilidade pelo cuidado é hoje assumida pelas mulheres da
família. E 95% pensam que o poder público deve ajudar a financiar o
cuidado em seus países. Os consultados também acreditam que as políticas
atuais são insuficientes para as demandas de cuidado e que outras são
necessárias.
No conjunto de cuidados à população idosa, Marília entende o cuidador
como um profissional que tem de ser incluído nas políticas principais
das áreas de saúde e de assistência social. Hoje, segundo ela, muitos
idosos vivem sozinhos e a tendência é de o número aumentar. Assim como
enfermeiros, técnicos em enfermagem e agentes comunitários de saúde, os
cuidadores devem ser mantidos em programas públicos. Como ela destaca, o
agente comunitário dos programas de saúde da família (PSF) não tem o
papel desse cuidado, embora em muitas localidades seja o que de melhor o
poder público ofereça para esse segmento.
A profissão de cuidador ainda não é regulamentada. Tramita no Senado o
Projeto de Lei (PLS) 248, de autoria do senador Waldemir Moka
(PMDB-MS), com relatoria da senadora Marta Suplicy, que estabelece
direitos e deveres trabalhistas para esses profissionais. A proposta já
estava na pauta da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde seria votada
em caráter terminativo, mas um pedido de vistas do senador Ricardo
Ferraço (PMDB-ES) adiou a votação.
Há estimativas de que atualmente 200 mil pessoas em todo o país
exerçam a atividade de maneira formal ou informal. Segundo projeções do
IBGE, em 2050 o Brasil terá uma população de 63 milhões de pessoas com
mais de 60 anos, o equivalente a 164 para cada 100 jovens, o que vai
aumentar a demanda por esses profissionais.
A política de cuidado, segundo Marília, não pode se limitar ao
cuidador mantido pelo poder público em casa porque as necessidades de
cada idoso são diferentes. Por isso requer ainda a implementação de
serviços para atender a essa população, como unidades onde o idoso pode
ficar enquanto os familiares trabalham. “É preciso expandir os serviços
de assistência domiciliar e reconceituar e valorizar as instituições de
longa permanência, os antigos asilos. Precisamos saber para que é e para
quem servem numa perspectiva de assistência social e também de saúde”,
diz Marília. Essas instituições, conforme ela, são insuficientes. Apenas
1% dos idosos vivem nesses espaços.
Conforme a especialista, há propostas avançadas, como a da
pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), que defende que a seguridade social no Brasil garanta,
além de saúde, assistência e previdência, o cuidado de longa duração.
Marília destaca que nem todo idoso vai precisar de cuidado.
"Envelhecimento não é igual a doença, incapacidade, dependência. As
necessidades do idoso devem ser separadas. Alguns precisam de cuidados
esporádicos, semanais. Outros têm total dependência. A população
precisará de cuidados – 20 a 30% precisarão", diz.
Embora o Estatuto do Idoso tenha sido aprovado em 2003, a
implementação de programas compete aos municípios. “Até agora existem
iniciativas pontuais em algumas cidades. Na capital paulista, por
exemplo, existe o programa Acompanhante do Idoso, em que o município
reconhece que há idosos que vivem sozinhos. Quando o profissional chega,
com uma equipe de saúde, melhora toda a vida dele”, comenta Marília. As
ações, segundo ela, dependem de recursos, mas é preciso vontade
política para buscá-los.
Para piorar o quadro, a cobrança da sociedade para a garantia desses
direitos ainda é incipiente, quando deveria ser formalizada pelos
conselhos de idosos e de saúde em todas as esferas de poder.
Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/