Brasília – O aquecimento do mercado de trabalho, com queda nas taxas de
desemprego, também está provocando mudanças no tipo de ocupação das
brasileiras. Com mais ofertas de emprego em atividades variadas e melhores
níveis de qualificação, elas vão assumindo, aos poucos, novas funções e, pela
primeira vez, o trabalho doméstico deixou de ser a primeira opção para garantir
o sustento próprio e da família entre as mulheres no país, segundo levantamento
realizado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) da
Presidência da República.
Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad) 2011, o estudo revela que o contingente de faxineiras,
babás, cozinheiras e responsáveis por serviços gerais nos domicílios perdeu
espaço para outras ocupações.
A pesquisa foi apresentada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), na semana passada e demonstrou que as
comerciárias assumiram a liderança do ranking das atividades
desempenhadas pelas mulheres, empregando 7 milhões de brasileiras (17,6% da
força de trabalho feminina do país). Em segundo lugar estão as trabalhadoras em
educação, saúde e serviço social.
As empregadas domésticas, que sempre vinham no topo da lista
como categoria que mais emprega mulheres no Brasil, aparecem em terceiro lugar.
Essa categoria caiu de 6,7 milhões, há três anos, para 6,2 milhões no ano
passado, correspondendo a 15,7% do total das trabalhadoras. Em 2009, o
percentual de domésticas entre as trabalhadoras era 17%.
A coordenadora dos programas de educação e cultura da SPM,
Hildete Pereira, explicou que esse movimento já poderia ter ocorrido na Pnad
2009, principalmente em função da maior qualificação das mulheres e da
diversificação do mercado de trabalho. Porém, com a crise financeira
internacional em 2008, o comércio se viu obrigado a enxugar as contratações.
Ela acredita que a migração para outras atividades representa um ganho
importante em termos de condições de trabalho para essas mulheres.
“A sociedade não vê o trabalho doméstico como vê o de uma
comerciária, por exemplo. Embora a categoria tenha registrado conquistas
importantes, muitas trabalhadoras domésticas ainda sofrem jornadas de trabalho
extremamente altas e não têm carteira assinada”, avaliou.
Pró-trabalhador
A queda no número de domésticas no Brasil caracteriza a
busca por um trabalho com maior proteção social, já que direitos reconhecidos
para as demais categorias de trabalhadores não fazem parte do cotidiano dessa
classe. Para o professor e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) Fernando de Holanda Barbosa Filho, a
ocupação de novas funções pelas mulheres no mercado de trabalho reflete um
momento que classifica como “pró-trabalhador”.
“Com a ampliação na oferta de empregos, o trabalhador tem
mais poder de barganha do que o empregador. Com o desemprego alto, o empregador
impõe as regras, mas com o desemprego baixo, o empregado consegue uma posição
melhor, uma remuneração melhor e até negociar suas condições de trabalho. Essa
migração das mulheres para outros setores é um reflexo positivo de uma economia
com desemprego em baixa e salário em alta”, avaliou.
Entre os direitos negados às empregadas domésticas
atualmente na legislação brasileira estão a definição da jornada de trabalho, o
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o seguro-desemprego, o benefício
por acidente de trabalho, o adicional por trabalho noturno, a hora extra e o
salário-família.
Barbosa filho ressaltou que, economicamente, trata-se de um
movimento positivo. Em outras épocas, quando a economia dava indícios de menor
dinamismo, essas mesmas trabalhadoras poderiam não estar satisfeitas com suas
posições no mercado, mas não tinham muitas opções de conquistar outros postos. “Vemos
menos pessoas querendo trabalhar como empregados domésticos e conseguindo”,
explicou.
Barbosa Filho defende, no entanto, que a universalização da
educação, que contribui para o aumento da escolaridade média do brasileiro,
seja um fator importante de migração para outras áreas profissionais. “Tanto é
que vemos muitas filhas de empregadas domésticas que já não seguem a profissão
de suas mães e conquistam outras colocações no mercado de trabalho”,
argumentou.
A paraibana Vandoclecie Rodrigues, de 24 anos, trabalha há
dois anos como babá. Com o ensino médio completo, ela garante que ficará na
profissão por pouco tempo, só até juntar o dinheiro necessário para cursar uma
faculdade. Segundo ela, a mãe, que é empregada doméstica, é sua maior
incentivadora. “Meu sonho é fazer faculdade na área de saúde e trabalhar em um
grande hospital, talvez cuidando de crianças. Estou juntando dinheiro e daqui a
uns anos acho que consigo”, disse.
Casos como o de Vandoclecie devem se tornar cada vez mais
comuns no Brasil, na opinião de Barbosa Filho. Essa tendência é observada em
países onde ocorre o aumento da renda da população em geral, provocando
escassez e a consequente elevação dos custos do trabalho doméstico.
“Não acho que vai acabar esse tipo de trabalho no Brasil,
mas quem for assumir essa atividade vai exigir salários cada vez mais elevados
para abandonar as outras ofertas de emprego. Nos Estados Unidos, ele ainda
existe, só que é muito caro e só os ricos conseguem pagar por esse tipo de
funcionário”, exemplificou.
“O que deve acontecer no Brasil, gradativamente, é que a
classe média ou vai ter que comprometer uma parte substancial da sua renda para
ter uma empregada doméstica ou abrir mão do serviço e viver em uma casa ‘mais
eletrônica’”, avaliou.
Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/