sexta-feira, 5 de novembro de 2010

VALORES QUE CONSTROEM

Frei Betto

A cidade se articula, basicamente, em sociedade civil (poder popular) e sociedade política (poder público). Na sua forma mais expressiva de cidadania, a sociedade civil atua através de movimentos sociais, organizações da sociedade civil que pressionam a sociedade política (Estado e instituições afins) visando a defesa e/ou conquista de direitos (humanos, civis, políticos, econômicos, ecológicos etc.).

Há movimentos sociais espontâneos e efêmeros (o recente protesto de jovens da periferia francesa contra o consumismo, através da queima de carros), bem como os que se prolongam no tempo e adquirem formas distintas para reivindicar um único direito, como a isonomia das mulheres em relação aos homens (são exemplos a peça “Lisístrata”, do grego Aristófanes, nascido no século V a.C., e o movimento feminista da segunda metade do século XX).

A organização da sociedade em movimentos sociais é inerente à sua estrutura de poder. O teatro teve na Grécia antiga o papel político de dotar a população de razão crítica através de uma expressão estética, como o comprova a obra de Sófocles: Antígona desafia Creonte (a consciência do indivíduo calcada na justiça perante a legalidade do poder respaldada na tradição).

Os movimentos sociais adquirem, ao longo da história, distintas expressões: estética, religiosa, econômica, ecológica etc. A partir do século I, o Império Romano teve suas bases solapadas por um movimento social de caráter religioso - o Cristianismo - que se recusou a reconhecer a divindade de César e propalou a radical dignidade de todo ser humano, chamado à comunhão de amor com os semelhantes e com Deus, segundo a mensagem proferida por uma vítima do Império - Jesus de Nazaré - em quem os adeptos da nova fé reconheciam a presença de Deus na Terra.

Desde a Revolução Francesa a sociedade civil passou a se mobilizar mais frequentemente em movimentos sociais. Porém, é recente a noção de que a sociedade civil deve se organizar para pressionar o poder público, e não necessariamente para almejar também “a tomada do poder”. Isso ensejou o caráter multifacetado dos movimentos - indígenas, negros, mulheres, migrantes, homossexuais etc. - e o fato de constituírem instâncias políticas nem sempre partidárias.

Essa “laicização” dos movimentos sociais é que permitiu alcançarem autonomia em relação às instâncias de poder - político, religioso, econômico etc. - e, ao mesmo tempo, despontarem como forças de alteridade perante o poder institucionalizado. É o fenômeno recente do empoderamento da sociedade civil que, quanto mais forte, mais logra transmutar a democracia meramente representativa em democracia efetivamente participativa.


“Chegar ao topo e ser reconhecido é agradável, mas a questão é o que se teve de deixar de lado para chegar lá, incluindo a diversidade de vida e, mais, o essencial à vida. Se a pessoa abandona o essencial, ela perde a identidade. O essencial é o mesmo para todos. É aquilo que não pode não ser, aquilo que dá sentido à minha vida – na dupla acepção do termo, significado e direção-, ou seja, amizade, lealdade, religiosidade, sexualidade, felicidade, fraternidade, honestidade. Precisamos de sentido para o que fazemos enquanto não morremos, para que a vida não seja vazia e desperdiçada. Difere do fundamental, que apoia o essencial, como carreira e dinheiro.” 
Mario Sergio Cortella

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