segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A GENTE




É correto dizer “a gente”?

Em primeiro lugar, é preciso frisar que a idéia de "certo" e "errado" no falar é condenada pela lingüística desde o início dos anos 1900.
Acontece que o grupo de gramatiqueiros que não estudam ciências da linguagem, mas simplesmente a pequeníssima faceta da língua (a gramática de norma culta) é ainda muito forte e mantém a idéia do erro nas escolas.
É que tudo o que acontece na língua tem uma explicação e possui uma lógica. A forma a gente é uma simplificação da língua que em nada prejudica a compreensão e o sentido da frase. É perfeitamente compreensível, obedece à ordem e à concordância da língua e tem um sentido claro: a gente, ou seja, "as pessoas aqui presentes". Exemplo: a gente vai viajar = as pessoas aqui presentes vão viajar.
Dizer: "a gente vai..." é uma expressão correta com a conjugação verbal (gente é singular, assim como poderia ser dito: você vai, ele vai). Agora se quer dizer que você e eu vamos dançar, o correto é: "Nós vamos dançar". A gente vai dançar está abrangendo muitas pessoas (gente significa pessoas e não está especificando quem vai dançar, entende?)
No vocabulário informal as pessoas usam a expressão GENTE (a gente gosta, a gente faz, a gente quer).
Acontece ainda que a língua muda. Uma nova forma de falar não implica erro, mas movimento da sociedade (e olha que a forma a gente nem é tão nova assim). Quando surgiu a forma "vocês", também havia quem perguntasse se estava certo ou errado, pois a forma correta seria "vós". Hoje, esta forma nem faz mais parte da nossa língua.
Portanto, não há erro nessa expressão (a gente), nem na conjugação (terceira pessoa do singular). No Aurélio o verbete "gente" ela aparece com dois exemplos literários. Escritores, poetas, letristas, todos usam essa expressão, inclusive em momentos formais. Todo brasileiro entende e acolhe seu uso. Mas nem todo brasileiro sabe deste detalhe: que os adjetivos devem ser em feminino e singular, concordando com a gente, mesmo que sejam muitas pessoas, e de sexo masculino. A gente ficou assustada (mesmo sendo homens).
O significado é: "nós", a pessoa que fala na frase. Não especifica se são duas ou mais. Nem se são homens ou mulheres. Mas "nós" também não especifica. Inclusive o "nós" é usado por pessoas em singular que não querem personificar a autoria (por exemplo, jornalistas ou autores de artigos científicos).
Inclusive é bonito usá-la e conservá-la em português, pois não se usa em outros idiomas e confunde pessoas que não conhecem nossa língua, e os tradutores nossos que não conhecem as outras.
La gente, em espanhol, é simplesmente "as pessoas". The people, em inglês, é "o povo" ou "as pessoas".
Muitos autores utilizam esta forma de linguagem em seus textos sem problema algum. Exemplos - Chico Buarque de Holanda: a gente vai levando, a gente vai levando,...; Lobão: a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão, lazer...; Milton Nascimento: Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar. ...(inclusive tem uma música cujo título é E a gente sonhando); BONASSI, Fernando, NAVAS, Victor. Uma pátria que eu tenho. São Paulo: Scipione, 2003 – (coleção Palavra da Gente; v.5): Acordar, comer, cagar, aprender a ler, escrever carta, cortar unha, cortar cabelo, brigar, fazer as pazes, si assustar, fazer promessa, fazer fogueira, ouvir rádio, dançar em baile, deitar e dormir. Todo mundo junto. De dia e de noite. A gente sempre dividiu calor [...]
São mais de 100 milhões de pessoas que falam assim, se compreendem e não estranham o uso. Por isso, seria totalmente irracional dizer que é errado. É muito mais fácil dizer que é certo ou errado do que explicar os fenômenos lingüísticos.

A resposta para a pergunta inicial então é SIM, pois está em linguagem coloquial e é correto. Só podemos usar o verbo na primeira pessoa do plural, sendo o sujeito a expressão a gente, quando houver algum elemento entre os dois (o sujeito e o verbo). É errado dizer a gente vamos, mas é correto dizer a gente, agora, vamos... a gente, ontem a noite, fomos ao cinema. O nome disso é silepse de pessoa. Gramaticamente falando, figura pela qual as palavras concordam segundo o sentido e não segundo as regras da sintaxe.


Sugestão de leitura: Teorias e Práticas do Letramento, organização, Lia Scholze, Tania M. K. Rösing. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007. INEP/MEC. 


Obs.: (Disponível no endereço http://pt.scribd.com/doc/6211847/Teorias-e-Praticas-de-letramento)

 


 "A ignorância está sempre pronta 
a admirar-se a si própria"
(Nicolas Boileau)

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